AUTOGESTÃO NA CABEÇA
Este é um almanaque autogestionário. É um espaço de informações, análises e divulgação da AUTOGESTÃO. Se pretende, de forma objetiva, interagir em torno do cotidiano, de modo a identificar práticas, ambientes e símbolos que potencializam e fazem forte a AUTOGESTÃO. Sejam benvindos e benvindas!
sábado, 18 de dezembro de 2010
domingo, 17 de outubro de 2010
sexta-feira, 6 de agosto de 2010
domingo, 25 de julho de 2010
segunda-feira, 15 de março de 2010
segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010
A que será que se destina?
Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina
sábado, 13 de fevereiro de 2010
O Haiti, antes e depois da eminência de uma tragédia anunciada
José Luis Patrola*
Quem foram eles na busca da independência ?
A conquista da independência haitiana efetivada mediante uma verdadeira guerra de escravos contra o exército de Napoleão no ano de 1804 se tornou a primeira revolta de escravos que triunfara na história da humanidade reativando as lutas pela independência no continente. A revolução haitiana rompera com três grandes lógicas do período colonial; a escravidão, a dependência e a propriedade da terra. Os principais lutadores pela liberação colonial latino americana daquele período como Jose Martí e Simon Bolívar espelharam-se na revolução haitiana. Ao mesmo tempo, os ideais internacionalistas da solidariedade e do apoio mútuo estiveram presentes na estratégia política dos principais generais haitianos como Dessalines, Petion, Kristophe e outros que venceram as batalhas contra o exército do império francês.
Em março de 1806, durante o governo do pai da pátria haitiana, Jean Jacques Dessalines, Francisco de Miranda (um dos pais da pátria venezuelana) desembarcou no Haiti e jurou levar aquele exemplo vitorioso e inspirador para seu país e para todo o continente. Naquele momento, o país que acabara de sair de uma guerra que havia durado mais de 13 anos não tinha muito a contribuir além do exemplo e da inspiração aos demais lutadores. Miranda retornou à Venezuela inspirado.
Em 1815, depois de ter travado várias batalhas contra os espanhóis na costa caribenha Simon Bolívar desembarcou na ilha liberta. Seu exército havia sofrido várias baixas e se encontrava muito enfraquecido, além de lhe faltar recursos básicos para uma série de batalhas que alguns anos após triunfariam. Na época, o governo da recém fundada república haitiana, Alessandro Petion, realizara uma campanha nacional para arrecadar fundos para o Libertador latino americano. Uma imensidade de armas, alimentos, água, barcos e um batalhão de 300 combatentes conformou a solidariedade do povo haitiano para fortalecer a luta que encabeçava Bolívar pela independência na América Latina naquele momento. Em 1816 a mesma ajuda seria repetida.
A conquista da independência da Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia levada a cabo por Simon Bolívar foi capaz graças a solidariedade haitiana que exigia apenas a liberação colonial como reciprocidade. Não há dúvidas que, em grande parte, o triunfo de Miranda e Bolívar se efetivou com o apoio daquele pequeno país liberto que servira de base para o fortalecimento das lutas pela independência no continente.
Depois de 1825 o Haiti ingressa num processo de grave crise econômica sendo obrigado a pagar uma dívida milionária por sua independência. Naquela época, a França impôs um novo mecanismo de colonização; a partir desse período quase toda a economia do país se destinou ao pagamento da "dívida da independência" . Depois desse evento lamentável a economia haitiana jamais se recuperaria pois mergulhara em várias crises estruturais relacionadas á terra e ao meio ambiente, a autonomia econômica e a autonomia política.
Um século de ocupação militar norte americana;
No início do século XX os Estados Unidos começam a exercer influencia sobre a região e para assegurar o controle absoluto instala em 1915 a primeira ocupação militar norte americana. Os 19 anos de ocupação militar alem de estabelecer uma "nova ordem econômica" forçando um novo reordenamento territorial e demográfico a partir de interesses de empresas agrícolas, elimina fisicamente uma geração de lutadores sociais. Benwa Batravil e Chalmay Peralt, junto a mais de 19 mil haitianos, foram assassinados após travarem sangrentas batalhas contra os marines daquele momento.
No ano de 1957 após receber o apoio direto e irrestrito de organismos norte americanos o ditador Jan-Claude Duvalier assume o poder impondo a ferro e fogo um terrível silencio ao povo haitiano. Após a morte de Jean-Claude, seu filho François Duvalier foi nomeado presidente em reunião ocorrida na própria embaixada dos Estados Unidos em Porto Príncipe. Em 1986, após forte movimento interno a ditadura é derrubada deixando um saldo de mais de 30 mil mortos finalizando a segunda ocupação militar norte americana.
Em 1991 após sete meses de governo do presidente democraticamente eleito Jean Bertran Aristides, um golpe militar patrocinado pelos Estados Unidos em aliança com setores locais derruba o primeiro presidente eleito nas primeiras eleições livres na história do Haiti. Por três ano a violência se instalaria com a presença de 20 mil marines deixando um saldo aproximado de 4 mil mortos na efetivação da terceira ocupação militar norte americana
No ano de 2000 Aristides seria eleito presidente pela segunda vez. Nesse período o Haiti comemoraria 200 anos de sua independência. Aristides, eleito democraticamente começara a cobrar a "divida histórica" existente de países como Estados Unidos e Franca para com o pequeno país caribenho. Não contente com as exigências feitas naquela ocasião, setores norte americanos patrocinam uma campanha "cívico para militar" desestabilizando o governo de Aristides. Em 2004 tudo estava preparado para a efetivação da quarta ocupação militar norte americana apoiada pela Franca.
No dia 12 de janeiro do ano de 2010 um terrível terremoto afeta duramente o empobrecido e desestruturado país. De imediato, os Estados Unidos decidem, unicamente por sua "boa vontade" enviar 20 mil marines, portam aviões, helicópteros e outros instrumentos de guerra. Nessa ocasião se efetiva a quinta e maior ocupação militar norte americana. Esta por sua vez, estendida a todo o continente sul americano.
O terremoto e os efeitos colaterais;
Depois de todo o sensacionalismo midiático envolvendo a tragédia, começam aparecer os verdadeiros estragos ocasionados pelo abalo sísmico no interior da sociedade. Vejamos; A zona mais populosa do país com toda sua precária estrutura urbana destruída; Centenas de milhares de pessoas sem casas e sem perspectivas de trabalho; Uma nova ocupação militar massiva preparada para a guerra; Uma massiva migração urbano rural inchando ainda mais o empobrecido meio rural; Empresas especialistas em segurança e reconstrução criam sites oferecendo-se para "ajudar" o país pobre; A imposição do controle norte americano, consentido pelo governo local, distante de qualquer decisão da ONU e da OEA; Uma população pobre, desorganizada, mas resistente mostrando-se capaz de enterrar seus mortos e lutar contra a morte eminente.
Onde o problema é mais grave;
Os problemas sociais do Haiti sempre foram graves. As denuncias de ausência de infra-estrutura básica e inexistência de programas estruturantes de ajuda encheram páginas entrando e saindo nos olhos e nos ouvidos de muitos. Com o terremoto, os problemas se agravaram ainda mais e a impossibilidade de não ver e de não escutar fez com que a dita "comunidade internacional" olhasse de maneira mais séria àquele país duramente castigado pelas forças da natureza e pelas potencias internacionais.
É evidente que, o atual momento consiste em ajudar naquilo que consideramos emergencial. Significa auxilio em alimentação, água, saúde, acampamentos assegurando condições mínimas para os atingidos. No entanto, a médio prazo já sentimos a necessidade da ajuda estrutural no processo de reconstrução e na ativação de produção de alimentos. O Haiti necessita urgentemente de reforçar sua capacidade produtiva com um processo de incentivo a produção rápida de legumes, de grãos, de aves e porcos, construção de açudes para armazenamento de água, bem como um urgente plano de reflorestamento. A maior parte da economia haitiana sempre foi rural e agora a já pobre população receberá cerca de um milhão a mais de habitantes e terá incumbência de produzir alimentos prioritariamente para este novo público bem como para a população das zonas afetadas. Os movimentos sociais camponeses do Haiti em conjunto com governos progressistas do continente e do mundo deverão instalar uma revolução agrária para não permitir o aumento ainda maior da fome e a possibilidade de uma catástrofe demográfica eminente e sem precedentes históricos.
A solidariedade consiste em ajudar a resolver os problemas mais graves e estruturais da sociedade haitiana. Ajudar aos camponeses significa atacar o problema por sua raiz.
Na da história da humanidade os camponeses sempre conformaram a categoria social mais solidária nas relações sociais internas a eles. No caso haitiano se comprova mais uma vez essa realidade. Milhares de pessoas migram das zonas afetadas buscando melhores condições nas zonas não afetadas. Mais de 10 por cento da população migra de maneira desesperada buscando a solidariedade. Os pobres se tornarão ainda mais pobres. A fome se tornará ainda mais eminente. A falta de água será constatada de forma ainda mais sistemática. A população se auto ajudará ainda mais. E nós, o que faremos na eminência de uma tragédia anunciada?
Jose Luis Patrola, membro do MST e coordenador do programa de cooperação entre a Via Campesina e organizações camponesas do Haiti.
Quem foram eles na busca da independência ?
A conquista da independência haitiana efetivada mediante uma verdadeira guerra de escravos contra o exército de Napoleão no ano de 1804 se tornou a primeira revolta de escravos que triunfara na história da humanidade reativando as lutas pela independência no continente. A revolução haitiana rompera com três grandes lógicas do período colonial; a escravidão, a dependência e a propriedade da terra. Os principais lutadores pela liberação colonial latino americana daquele período como Jose Martí e Simon Bolívar espelharam-se na revolução haitiana. Ao mesmo tempo, os ideais internacionalistas da solidariedade e do apoio mútuo estiveram presentes na estratégia política dos principais generais haitianos como Dessalines, Petion, Kristophe e outros que venceram as batalhas contra o exército do império francês.
Em março de 1806, durante o governo do pai da pátria haitiana, Jean Jacques Dessalines, Francisco de Miranda (um dos pais da pátria venezuelana) desembarcou no Haiti e jurou levar aquele exemplo vitorioso e inspirador para seu país e para todo o continente. Naquele momento, o país que acabara de sair de uma guerra que havia durado mais de 13 anos não tinha muito a contribuir além do exemplo e da inspiração aos demais lutadores. Miranda retornou à Venezuela inspirado.
Em 1815, depois de ter travado várias batalhas contra os espanhóis na costa caribenha Simon Bolívar desembarcou na ilha liberta. Seu exército havia sofrido várias baixas e se encontrava muito enfraquecido, além de lhe faltar recursos básicos para uma série de batalhas que alguns anos após triunfariam. Na época, o governo da recém fundada república haitiana, Alessandro Petion, realizara uma campanha nacional para arrecadar fundos para o Libertador latino americano. Uma imensidade de armas, alimentos, água, barcos e um batalhão de 300 combatentes conformou a solidariedade do povo haitiano para fortalecer a luta que encabeçava Bolívar pela independência na América Latina naquele momento. Em 1816 a mesma ajuda seria repetida.
A conquista da independência da Venezuela, Colômbia, Equador e Bolívia levada a cabo por Simon Bolívar foi capaz graças a solidariedade haitiana que exigia apenas a liberação colonial como reciprocidade. Não há dúvidas que, em grande parte, o triunfo de Miranda e Bolívar se efetivou com o apoio daquele pequeno país liberto que servira de base para o fortalecimento das lutas pela independência no continente.
Depois de 1825 o Haiti ingressa num processo de grave crise econômica sendo obrigado a pagar uma dívida milionária por sua independência. Naquela época, a França impôs um novo mecanismo de colonização; a partir desse período quase toda a economia do país se destinou ao pagamento da "dívida da independência" . Depois desse evento lamentável a economia haitiana jamais se recuperaria pois mergulhara em várias crises estruturais relacionadas á terra e ao meio ambiente, a autonomia econômica e a autonomia política.
Um século de ocupação militar norte americana;
No início do século XX os Estados Unidos começam a exercer influencia sobre a região e para assegurar o controle absoluto instala em 1915 a primeira ocupação militar norte americana. Os 19 anos de ocupação militar alem de estabelecer uma "nova ordem econômica" forçando um novo reordenamento territorial e demográfico a partir de interesses de empresas agrícolas, elimina fisicamente uma geração de lutadores sociais. Benwa Batravil e Chalmay Peralt, junto a mais de 19 mil haitianos, foram assassinados após travarem sangrentas batalhas contra os marines daquele momento.
No ano de 1957 após receber o apoio direto e irrestrito de organismos norte americanos o ditador Jan-Claude Duvalier assume o poder impondo a ferro e fogo um terrível silencio ao povo haitiano. Após a morte de Jean-Claude, seu filho François Duvalier foi nomeado presidente em reunião ocorrida na própria embaixada dos Estados Unidos em Porto Príncipe. Em 1986, após forte movimento interno a ditadura é derrubada deixando um saldo de mais de 30 mil mortos finalizando a segunda ocupação militar norte americana.
Em 1991 após sete meses de governo do presidente democraticamente eleito Jean Bertran Aristides, um golpe militar patrocinado pelos Estados Unidos em aliança com setores locais derruba o primeiro presidente eleito nas primeiras eleições livres na história do Haiti. Por três ano a violência se instalaria com a presença de 20 mil marines deixando um saldo aproximado de 4 mil mortos na efetivação da terceira ocupação militar norte americana
No ano de 2000 Aristides seria eleito presidente pela segunda vez. Nesse período o Haiti comemoraria 200 anos de sua independência. Aristides, eleito democraticamente começara a cobrar a "divida histórica" existente de países como Estados Unidos e Franca para com o pequeno país caribenho. Não contente com as exigências feitas naquela ocasião, setores norte americanos patrocinam uma campanha "cívico para militar" desestabilizando o governo de Aristides. Em 2004 tudo estava preparado para a efetivação da quarta ocupação militar norte americana apoiada pela Franca.
No dia 12 de janeiro do ano de 2010 um terrível terremoto afeta duramente o empobrecido e desestruturado país. De imediato, os Estados Unidos decidem, unicamente por sua "boa vontade" enviar 20 mil marines, portam aviões, helicópteros e outros instrumentos de guerra. Nessa ocasião se efetiva a quinta e maior ocupação militar norte americana. Esta por sua vez, estendida a todo o continente sul americano.
O terremoto e os efeitos colaterais;
Depois de todo o sensacionalismo midiático envolvendo a tragédia, começam aparecer os verdadeiros estragos ocasionados pelo abalo sísmico no interior da sociedade. Vejamos; A zona mais populosa do país com toda sua precária estrutura urbana destruída; Centenas de milhares de pessoas sem casas e sem perspectivas de trabalho; Uma nova ocupação militar massiva preparada para a guerra; Uma massiva migração urbano rural inchando ainda mais o empobrecido meio rural; Empresas especialistas em segurança e reconstrução criam sites oferecendo-se para "ajudar" o país pobre; A imposição do controle norte americano, consentido pelo governo local, distante de qualquer decisão da ONU e da OEA; Uma população pobre, desorganizada, mas resistente mostrando-se capaz de enterrar seus mortos e lutar contra a morte eminente.
Onde o problema é mais grave;
Os problemas sociais do Haiti sempre foram graves. As denuncias de ausência de infra-estrutura básica e inexistência de programas estruturantes de ajuda encheram páginas entrando e saindo nos olhos e nos ouvidos de muitos. Com o terremoto, os problemas se agravaram ainda mais e a impossibilidade de não ver e de não escutar fez com que a dita "comunidade internacional" olhasse de maneira mais séria àquele país duramente castigado pelas forças da natureza e pelas potencias internacionais.
É evidente que, o atual momento consiste em ajudar naquilo que consideramos emergencial. Significa auxilio em alimentação, água, saúde, acampamentos assegurando condições mínimas para os atingidos. No entanto, a médio prazo já sentimos a necessidade da ajuda estrutural no processo de reconstrução e na ativação de produção de alimentos. O Haiti necessita urgentemente de reforçar sua capacidade produtiva com um processo de incentivo a produção rápida de legumes, de grãos, de aves e porcos, construção de açudes para armazenamento de água, bem como um urgente plano de reflorestamento. A maior parte da economia haitiana sempre foi rural e agora a já pobre população receberá cerca de um milhão a mais de habitantes e terá incumbência de produzir alimentos prioritariamente para este novo público bem como para a população das zonas afetadas. Os movimentos sociais camponeses do Haiti em conjunto com governos progressistas do continente e do mundo deverão instalar uma revolução agrária para não permitir o aumento ainda maior da fome e a possibilidade de uma catástrofe demográfica eminente e sem precedentes históricos.
A solidariedade consiste em ajudar a resolver os problemas mais graves e estruturais da sociedade haitiana. Ajudar aos camponeses significa atacar o problema por sua raiz.
Na da história da humanidade os camponeses sempre conformaram a categoria social mais solidária nas relações sociais internas a eles. No caso haitiano se comprova mais uma vez essa realidade. Milhares de pessoas migram das zonas afetadas buscando melhores condições nas zonas não afetadas. Mais de 10 por cento da população migra de maneira desesperada buscando a solidariedade. Os pobres se tornarão ainda mais pobres. A fome se tornará ainda mais eminente. A falta de água será constatada de forma ainda mais sistemática. A população se auto ajudará ainda mais. E nós, o que faremos na eminência de uma tragédia anunciada?
Jose Luis Patrola, membro do MST e coordenador do programa de cooperação entre a Via Campesina e organizações camponesas do Haiti.
domingo, 7 de fevereiro de 2010
Livros...
“Dos diversos instrumentos utilizados pelo homem, o mais espetacular é, sem dúvida, o livro. Os demais são extensões de seu próprio corpo. O microscópio, o telescópio são extensões de sua visão; o telefone é a extensão de sua voz; em seguida, temos o arado e a espada, extensões de seu braço. O livro, porém, é outra coisa: o livro é uma extensão da memória e da imaginação.”
Foucault
Foucault, político
Jean-Paul Sartre foi o paradigma do pensador político francês entre o fim da 2ª Guerra Mundial e as barricadas do desejo, como Olgaria Matos chamou os movimentos de 1968. O eixo de sua posição consistiu, quisesse ele ou não, numa relação de proximidade crítica com o Partido Comunista. Sartre sempre foi mais democrata que os comunistas. Mas o PC era o partido dos operários, o portador da esperança revolucionária e, numa época em que a França fez de tudo para impedir a liberdade em suas colônias, a única força organizada de peso a contestar o colonialismo. Não dava para ser contra o PC e defender a liberdade. Hoje, quando a direita triunfa e Raymond Aron é visto como um pensador da liberdade (contra o totalitarismo comunista), muitos esquecem que, naquela época, o liberalismo reprimia e massacrava os povos.
Sartre soube disso e por isso mesmo seu pensamento e sua ação políticos tiveram por referência o comunismo. Foi muito crítico em relação ao movimento, como se pode ler em sua peça As mãos sujas (1948), mas não podia deixar de tê-lo por aliado. Vai criticá-lo com toda a severidade em seu "O fantasma de Stalin", escrito logo depois da repressão soviética à Hungria, em 1956, mas nem por isso renega seu "Os comunistas e a paz", de 1953, que defendia o Partido contra a repressão burguesa. O intelectual progressista assim se faz um "companheiro de viagem", como se dizia. O rompimento de Sartre com Merleau-Ponty, aliás, se deve a posições distintas de ambos em face do comunismo e dos soviéticos.
Resumindo, há em Sartre uma preocupação com o social macro. É a sociedade como um todo, o mundo mesmo como um todo, que deve defender-se do capitalismo e de suas chacinas. Contra a ordem do capital, uma organização do trabalho é necessária - o que o Partido Comunista realiza. Mas Foucault verá as coisas de outro modo. Há várias maneiras de explicar essa diferença. O mundo mudou. As esperanças depostas num comunismo revisto, democratizado, foram-se. Em 1968, Brejnev manda na União Soviética. Isso significa a estagnação. Seu arremate é a destruição da Primavera de Praga, naquele ano - e, com isso, o fim (por muitas décadas, e talvez para sempre) da aposta num socialismo com rosto humano. Não há mais como ser companheiro crítico dos comunistas. E 1968 também vê a decisão do PC Francês de não levar o movimento das ruas à revolução: ele contenta-se com aumentos salariais. Mas a ruptura com o modelo sartriano era anterior a essa data.
Era essa a derrota da sincronia para a diacronia, com um estudo mais acurado das solidariedades que mantêm determinado sistema, mas, também, uma descrença na possibilidade de ruptura a partir de contradições internas. Era, portanto, um golpe no marxismo, que é dialético justamente porque define o real pela contradição, que é o que efetua a passagem de uma etapa da História a outra.
Sartre, por sua vez, era um moralista, no melhor sentido do termo. Sua grande questão era a ética. Embora nunca tenha escrito seu prometido grande livro filosófico sobre ela, sua intervenção política e suas peças de teatro - que lhe permitiam viver sem precisar submeter-se ao establishment universitário - respiram questões éticas o tempo todo. Por isso lhe causava repulsa a idéia de que nossas ações estivessem subordinadas a um quadro inconsciente, a um condicionante estrutural.
Mas essa oposição Sartre/Foucault não perdura. Hoje ninguém pensa em Foucault como estruturalista; aliás, o termo fez água, sumiu. E os dois se indignaram com a atitude do PCF em 1968 - só que Sartre saiu dali para tentar criar um clone maoísta do PC, enquanto Foucault foi defender ações pulverizadas, em escala micro, que negavam já por princípio o modelo da grande ação que mudasse o mundo.
Ficou algo de patético no Sartre dos últimos anos, que tentava com grupúsculos reconstruir um PCF: a tragédia era que lhes faltava o único mérito do PC, o tamanho, e lhes sobravam os vícios, como a opção pela ditadura. Já a escolha foucaultiana (ou foucaldiana, como querem alguns) implicava desistir da mudança do mundo por uma ação certeira, mirando o foco do inimigo, que era o capital. Não se acreditava mais que esse tipo de ação fosse possível (os poderes eram múltiplos, "mil poderezinhos") nem desejável (o foco no centro manteria o poder como tal, só mudando o seu detentor).
Mas houve uma alegria nessa política dos enfrentamentos locais. Queria-se, talvez, menos; os críticos de Foucault alegavam que ele não punha em xeque o capital, apenas seus sintomas; os foucaultianos respondiam que não, que o poder assim se percebia mais complexo do que uma leitura simplista (leia-se: marxista) mostrava. Era inegável um débito de Foucault, como de Deleuze e Clastres, seus contemporâneos, com o anarquismo. Foi possivelmente essa a primeira vez que o anarquismo saiu dos chavões que marcavam seu século e quase meio de idade para ter um pensamento talvez não exatamente seu, mas bastante próximo disso.
Onde estava essa alegria de pensar, que aliás aproximou todos esses autores de Nietzsche? Estava na disposição a agir na esfera local, na prontidão a ler sinais do novo, na idéia de que o poder estava em toda a parte - e, por isso, numa presteza a agir. Vejamos Vigiar e punir, livro de 1975, publicado quase às pressas (dizia-se que ia sair um livro pirateando as idéias de Foucault e que ele se antecipou a isso). Pouco a ver com o impacto d' As palavras e as coisas, que foi de 1967. As palavras falavam em quadros que condicionavam nosso pensamento e tornavam difícil o advento do novo. Vigiar tratava da ação, mais que do pensamento, e - se mostrava o peso do mundo disciplinar, se lia a modernidade a partir dos jesuítas e de sua imposição de uma ordem, barrando um agir livre - inspirava a cada página uma revolta, que se daria no plano da ação, mesmo que essa não fosse muito raciocinada, mesmo que (ou porque) ela prescindisse da macroteoria, da dialética, do marxismo.
Um balanço? Foucault foi muito criticado porque, na passagem de 1978 para 79, se entusiasmou por Khomeini. Não viu a teocracia que despontava em seu discurso; acreditou que a mobilização de massas a partir de uma fala não-ocidental constituía um fato novo e auspicioso. O erro foi grande, mas de quase nenhum efeito prático. Lembro um pensador de base marxista, condenando Foucault por lhe faltar uma base filosófica forte (leia-se: o marxismo) que o impedisse de erro tão banal. Mas lembro também que, ao contrário do comunismo, que teve seus gulags, o erro de Foucault não levou ninguém para o matadouro. Seu papel na Revolução Islâmica foi quase nulo, o de um mero simpatizante escrevendo para o Nouvel Observateur artigos que deram errado.
Em que pese esse erro, resta algo forte da política de Foucault. Penso que a prova dos nove, na filosofia política, reside na capacidade de inspirar o agir. O marxismo hoje inspira pouco o novo. Mas Foucault chama a agir, ainda que pontualmente. É curioso: a frase que motivou o Sartre derradeiro, "Sempre temos razão em nos revoltarmos", poderia valer para ele, desde que reduzíssemos o peso da palavra razão, que fôssemos um pouco céticos diante dela...
O anarquismo saiu dos chavões que marcavam seu século e quase meio de idade para ter um pensamento talvez não exatamente seu, mas bastante próximo disso
Renato Janine Ribeiro
Michel Foucault foi um pensador de muitas faces. Nós, de filosofia, gostamos de puxá-lo para nosso lado, mas ele teve forte impacto no Direito, na História, na Literatura. Este dossiê tenta dar conta de sua variedade. Começarei enfatizando seu papel político. Foucault veio a representar, para muitos, o melhor do 1968 francês e mundial. Confrontemos esse intelectual público modelar dos anos 60 e 70 com o filósofo que teve igual peso nas décadas anteriores - Sartre.
Jean-Paul Sartre foi o paradigma do pensador político francês entre o fim da 2ª Guerra Mundial e as barricadas do desejo, como Olgaria Matos chamou os movimentos de 1968. O eixo de sua posição consistiu, quisesse ele ou não, numa relação de proximidade crítica com o Partido Comunista. Sartre sempre foi mais democrata que os comunistas. Mas o PC era o partido dos operários, o portador da esperança revolucionária e, numa época em que a França fez de tudo para impedir a liberdade em suas colônias, a única força organizada de peso a contestar o colonialismo. Não dava para ser contra o PC e defender a liberdade. Hoje, quando a direita triunfa e Raymond Aron é visto como um pensador da liberdade (contra o totalitarismo comunista), muitos esquecem que, naquela época, o liberalismo reprimia e massacrava os povos.
Sartre soube disso e por isso mesmo seu pensamento e sua ação políticos tiveram por referência o comunismo. Foi muito crítico em relação ao movimento, como se pode ler em sua peça As mãos sujas (1948), mas não podia deixar de tê-lo por aliado. Vai criticá-lo com toda a severidade em seu "O fantasma de Stalin", escrito logo depois da repressão soviética à Hungria, em 1956, mas nem por isso renega seu "Os comunistas e a paz", de 1953, que defendia o Partido contra a repressão burguesa. O intelectual progressista assim se faz um "companheiro de viagem", como se dizia. O rompimento de Sartre com Merleau-Ponty, aliás, se deve a posições distintas de ambos em face do comunismo e dos soviéticos.
Resumindo, há em Sartre uma preocupação com o social macro. É a sociedade como um todo, o mundo mesmo como um todo, que deve defender-se do capitalismo e de suas chacinas. Contra a ordem do capital, uma organização do trabalho é necessária - o que o Partido Comunista realiza. Mas Foucault verá as coisas de outro modo. Há várias maneiras de explicar essa diferença. O mundo mudou. As esperanças depostas num comunismo revisto, democratizado, foram-se. Em 1968, Brejnev manda na União Soviética. Isso significa a estagnação. Seu arremate é a destruição da Primavera de Praga, naquele ano - e, com isso, o fim (por muitas décadas, e talvez para sempre) da aposta num socialismo com rosto humano. Não há mais como ser companheiro crítico dos comunistas. E 1968 também vê a decisão do PC Francês de não levar o movimento das ruas à revolução: ele contenta-se com aumentos salariais. Mas a ruptura com o modelo sartriano era anterior a essa data.
Naquela década, o rompimento chamou-se estruturalismo. Dizia-se, o que hoje se esqueceu, que Foucault era um dos grandes estruturalistas - isto é, que dava a primazia à estrutura inconsciente sobre a ação consciente, ao macro sobre o micro, aos condicionantes sobre o voluntarismo. Isso vale para As palavras e as coisas, que revolucionou a leitura da filosofia e do pensamento clássicos, mas que, sobretudo, negava a possibilidade de pensar a passagem de uma época à seguinte por suas contradições internas: da Renascença ao tempo clássico/barroco e deste ao moderno, não se poderia explicar a lógica da mudança histórica.
Era essa a derrota da sincronia para a diacronia, com um estudo mais acurado das solidariedades que mantêm determinado sistema, mas, também, uma descrença na possibilidade de ruptura a partir de contradições internas. Era, portanto, um golpe no marxismo, que é dialético justamente porque define o real pela contradição, que é o que efetua a passagem de uma etapa da História a outra.
Sartre, por sua vez, era um moralista, no melhor sentido do termo. Sua grande questão era a ética. Embora nunca tenha escrito seu prometido grande livro filosófico sobre ela, sua intervenção política e suas peças de teatro - que lhe permitiam viver sem precisar submeter-se ao establishment universitário - respiram questões éticas o tempo todo. Por isso lhe causava repulsa a idéia de que nossas ações estivessem subordinadas a um quadro inconsciente, a um condicionante estrutural.
Mas essa oposição Sartre/Foucault não perdura. Hoje ninguém pensa em Foucault como estruturalista; aliás, o termo fez água, sumiu. E os dois se indignaram com a atitude do PCF em 1968 - só que Sartre saiu dali para tentar criar um clone maoísta do PC, enquanto Foucault foi defender ações pulverizadas, em escala micro, que negavam já por princípio o modelo da grande ação que mudasse o mundo.
Ficou algo de patético no Sartre dos últimos anos, que tentava com grupúsculos reconstruir um PCF: a tragédia era que lhes faltava o único mérito do PC, o tamanho, e lhes sobravam os vícios, como a opção pela ditadura. Já a escolha foucaultiana (ou foucaldiana, como querem alguns) implicava desistir da mudança do mundo por uma ação certeira, mirando o foco do inimigo, que era o capital. Não se acreditava mais que esse tipo de ação fosse possível (os poderes eram múltiplos, "mil poderezinhos") nem desejável (o foco no centro manteria o poder como tal, só mudando o seu detentor).
Mas houve uma alegria nessa política dos enfrentamentos locais. Queria-se, talvez, menos; os críticos de Foucault alegavam que ele não punha em xeque o capital, apenas seus sintomas; os foucaultianos respondiam que não, que o poder assim se percebia mais complexo do que uma leitura simplista (leia-se: marxista) mostrava. Era inegável um débito de Foucault, como de Deleuze e Clastres, seus contemporâneos, com o anarquismo. Foi possivelmente essa a primeira vez que o anarquismo saiu dos chavões que marcavam seu século e quase meio de idade para ter um pensamento talvez não exatamente seu, mas bastante próximo disso.
Onde estava essa alegria de pensar, que aliás aproximou todos esses autores de Nietzsche? Estava na disposição a agir na esfera local, na prontidão a ler sinais do novo, na idéia de que o poder estava em toda a parte - e, por isso, numa presteza a agir. Vejamos Vigiar e punir, livro de 1975, publicado quase às pressas (dizia-se que ia sair um livro pirateando as idéias de Foucault e que ele se antecipou a isso). Pouco a ver com o impacto d' As palavras e as coisas, que foi de 1967. As palavras falavam em quadros que condicionavam nosso pensamento e tornavam difícil o advento do novo. Vigiar tratava da ação, mais que do pensamento, e - se mostrava o peso do mundo disciplinar, se lia a modernidade a partir dos jesuítas e de sua imposição de uma ordem, barrando um agir livre - inspirava a cada página uma revolta, que se daria no plano da ação, mesmo que essa não fosse muito raciocinada, mesmo que (ou porque) ela prescindisse da macroteoria, da dialética, do marxismo.
Um balanço? Foucault foi muito criticado porque, na passagem de 1978 para 79, se entusiasmou por Khomeini. Não viu a teocracia que despontava em seu discurso; acreditou que a mobilização de massas a partir de uma fala não-ocidental constituía um fato novo e auspicioso. O erro foi grande, mas de quase nenhum efeito prático. Lembro um pensador de base marxista, condenando Foucault por lhe faltar uma base filosófica forte (leia-se: o marxismo) que o impedisse de erro tão banal. Mas lembro também que, ao contrário do comunismo, que teve seus gulags, o erro de Foucault não levou ninguém para o matadouro. Seu papel na Revolução Islâmica foi quase nulo, o de um mero simpatizante escrevendo para o Nouvel Observateur artigos que deram errado.
Em que pese esse erro, resta algo forte da política de Foucault. Penso que a prova dos nove, na filosofia política, reside na capacidade de inspirar o agir. O marxismo hoje inspira pouco o novo. Mas Foucault chama a agir, ainda que pontualmente. É curioso: a frase que motivou o Sartre derradeiro, "Sempre temos razão em nos revoltarmos", poderia valer para ele, desde que reduzíssemos o peso da palavra razão, que fôssemos um pouco céticos diante dela...
sábado, 23 de janeiro de 2010
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